25 de dez. de 2020

“Que recolhe todo o sentimento, e bota no corpo uma outra vez”



E se apaixonou novamente.

Quando já era impossível, foi possível em seus lábios: num beijo quente, lento, demorado, veio a paixão e a tomou nos braços, embalou seu corpo, afogou tudo que era e emergiu com a intensidade de um novo amor, mas sabor conhecido de dias passados, das memórias, das histórias. Era paixão, da que arrebata. Da indefinível, intensa, da que segue na roupa, no corpo, nos cheiros, da que você tenta desviar, burlar pensamentos, escapar... mas termina sem rédeas, envolta, a galopes.

Saudade que tinha de sentir tanta vida, dessa enchente, do vulcão, de tudo que ascende, queima, mas alaga, por ser chama e correnteza, por ser como o próprio sangue e ainda mais que o próprio sangue, por envolver dentro, por reverberar fora: pele - vibração, que te leva tudo e circula e te circula - ah, paixão.

Eram só desejo, em cada inalação. Era entrega, êxtase, calmaria e então êxtase, apenas êxtase, uma outra vez... E incendiaram as palavras. E afogaram pensamentos. E ficaram atentos, juntos, dentro e fora de si mesmos. Eram só desejo. E era tudo, simplesmente.




Foto: https://doutorjairo.blogosfera.uol.com.br/2018/01/26/molecula-do-beijo-pode-levar-a-droga-para-aumentar-o-desejo/

18 de dez. de 2020

"Cuida bem de mim... e então misture tudo..."



Sobre o contraditório e outras estórias... 
Não fale nada, não fale mais. 
Se fosse de ouvir velhas canções, não as permitiria em novos lábios. 
Não tente me mostrar que é diferente, tampouco explique que é igual. 

Quando acaba, acaba. 
Normal. 

Me convencer de que fui eu, 
diagnosticar doenças de amor... 
meu coração anda cansado, abatido, ai, 
meu coração Yemanjá, tanto que entoa os mesmos cânticos, 
o mesmo mar 

Meu coração felino, 
quer morar só no meu peito, 
mas te traz por acidente, ou por fraqueza, 
e eu esgoto as certezas, 
e me escondo entre os lençóis

Eu torço sua partida, 
e me contorço – sua presença.

15 de dez. de 2020

"Maybe if I told you the right words..."

Não lembrava de desculpas antes.

A sensação era justamente essa, nenhum pedido de desculpas, apesar das gentilezas e delicadezas, como resultado de qualquer briga ou conflito, vinham análises e ponderações, mas nenhum reconhecimento concreto de um erro, que se mostrasse forte o suficiente para justificar: “me desculpe”.

Seria assim agora também?

No lugar de um olhar sincero de empatia, de alguma autocrítica, do saber o quanto maltratou o outro, independente do outro, independente do erro do outro, da imperfeição do outro, da falta do outro... Saber o quanto machucou, por si mesmo: por suas falhas, suas faltas, suas imperfeições, e pensar que poderia ter escolhido um outro meio, pensar que se fosse hoje, faria diferente. Sentir na pele: “me desculpe”.

Seria assim agora também?

Inverter os papéis, virar o jogo, ganhar a partida: - "não fui eu o responsável, você me levou a isso, olha tudo que sofri, não foi fácil para mim, ninguém teria suportado, como você foi terrível"... 

O “erro” como simples reflexo das implicações do outro, praticamente única opção, questão de sobrevivência, até... O “erro” como não erro, como consequência das falhas alheias – nada teria sido assim se ela não tivesse ido por ali.

Mas ela o vê. E entende. E sente muito. 

do outro lado, sabe o quanto foi machucada e sabe que não deu causa a tudo isso, que não parou ali sozinha, mas acima de tudo – sabe que havia opções.

Outras saídas que não representassem essa.

 Outros caminhos que não envolvessem esses outros paralelos, esses buracos, esse abandono.

Fizeram suas escolhas. E as faziam agora, novamente.

Não conseguiria. Não levaria a conta inteira para casa, por mais triste e inegável que fosse a parte sua...

Porque a mesma luz que iluminava suas faltas, clareava também seu auto amor e todos os dias de sol, e todos os dias sem sol que se dedicou para melhorar.

Clareavam sua escolha por não repartir seu coração, seu corpo e seus desejos por aí, por sofrer a cada noite em que se afastavam, mas não correr para conectar outras linhas, segurar outros braços, outros barcos, pela correnteza.

Não perdia da boca o sabor do sal, da onda, do medo. E mesmo assim, caminhava, com coragem, - mas não seguiria pela metade. 



Foto: http://luarapresentes.blogspot.com/2013/10/desculpas-em-grande-estilo-enviando.html

13 de dez. de 2020

"Tears are gonna fall, rolling in the deep..."



“Oi. Não estou achando meus documentos em lugar algum. Você viu? Tô sem identidade...”  

E a ela coube essa estranha procura pela identidade alheia. 

Logo ela, que mal sabe quem é, na maior parte do tempo. E o que é isso de encontrar a identidade? O que, aliás, ela esperava achar? O que ele?

E quem é ele?

Por trás de tanto semblante e vaidades, será que ele lembrava ainda? Será que contava tudo, cada detalhe sórdido, cada desejo íntimo, será que derramava no divã, será que vislumbrava no espelho?

Ou só passava correndo e desviava o olhar, tentando desperceber o que conduzia ao oposto tanta gente, todo dia...

Tão libertador ser quem se é para alguém... tão delicioso é ser visto de verdade, de frente, pelo avesso, vulnerável e entregue a própria sorte, a maldade ou ao amor de um outro olhar...

A paz de não precisar esconder mais – a tela, a vela, a represa de coisas – de morder os lábios e revirar os olhos, de dar fim ao medo e aquela fagulha de vergonha que saltava, sem querer, de um sorriso nada bobo que vinha... reprimido.

Será que existe vida após a verdade? 

Será que existe amor? 


30 de nov. de 2020

"E agora, amor?"

 


E se te dessem uma chave para a abrir as portas do lado mais sombrio de alguém?

Se te dessem uma lente, capaz de enxergar o que há de mais sujo, de mais obscuro? 

E se te dessem o caminho exato para levantar a ponta do tapete, acessar toda poeira, todos os restos, toda imundice...

Mas e se essa chave abrisse também as portas para sua não-loucura?

Se essa lente te mostrasse o que seu coração já via, solitário, dolorido, sobreposto por um buraco negro e sem fundo no seu peito, onde tudo apenas se perde em um vácuo de sensações, dúvidas, incertezas...

Se aqueles restos imundos e toda a poeira fosse tudo que restasse para organizar os tijolos dourados que te levariam de volta – pra casa, pra vida, para alguma liberdade de tanta dor...

 Será que você (Ah!), será então que encontraria a coragem necessária, a força precisa para o giro, para abrir cada trinco, para ampliar cada pequeno ponto da escuridão do outro, cada destroço, cada farelo de luxúria e ócio que semearam suas longas e tristes noites?

Sempre gostei do brilho da lua na escuridão da noite.

Entre todas as mortes que me cruzaram, fui tentada, assediada, apaixonada, até... mas escolhi a vida em cada uma das vezes, e preferi os holofotes escandalosos da luz que quase, igualmente, cega: enxergar o que nunca deveria ser tão visto e arriscar petrificar diante da medusa, sofrer na pele o acesso a caixa de pandora, o efeito ensurdecedor da verdade (emudecedor, enlouquecedor?), o sabor amargo dos pensamentos distorcidos e nunca, jamais ditos – mas descobertos sobre a luz negra e a foice da própria morte.

A verdade nunca foi sem dor.

E ainda assim, me surpreende menor, leão que vira gato, diante do negro espaço dos meus medos.

E ainda assim, me surpreende melhor, quando me orgulho das minhas próprias mentiras, tão doces, infantis, tão bobas e inofensivas...

Na hora das verdades e holofotes resta um certo orgulho de mim mesma... da minha essência ingênua e intocada, fiel e pura, tão rara, perdida no desmoronamento dos caráteres e do imoral.

Verdade também não saber o que fazer de mim. Se inevitável ser contaminada na lama que piso, também me esmero em salvar o que restou de um coração partido. Tão louco como qualquer amor é louco, tão forte quanto qualquer guerreiro é forte, mas na esperança de não ser tão único no meio de tanto caos, de ter ainda a chance, algum sopro de vida, algum jeitinho de bater e que não maltrate a si mesmo. Algum jeito de luz.  Algum jeito de amor.




Foto: https://www.nytimes.com/2020/10/13/arts/design/medusa-statue-manhattan.html


“Viver é uma questão de início, meio e fim”


 

Me escreve uma carta.

Me escreve uma carta.

Ao menos ouvi na época em que ainda havia palavras. Esperança boba de um reencontro na esquina dos planos que estacionamos.

E agora? E agora que já não há mais nada?

Nada além de um desejo sincero em ter de volta todas as chaves, endereços, percursos, CEPs, retomar cada um dos meios que poderia ter de me acessar na vastidão de um planeta pequeno, num espaço imenso...

Não há mais carta. Não há caminho.

Girei a chave, mergulhei de cabeça entre o vão e a palavra e agora, afogada nas minhas próprias descobertas, não sobrou ar, não sobrou gravidade, ou tudo é lento como o dia que passa na janela independente da vontade, como um tempo escorregando e um corpo que se mexe, sabendo que acordou e tem medo do dia.

E como dizer que não tive luto? Ah, tudo que vivo, luto.

E a vida da gente é mesmo assim, com portas fechadas por chaves que entregamos, com sonhos que contamos e vamos abandonando, das culpas que sufocam, das escolhas que tememos.

Sinto o gosto de tudo que encontrei. É a mistura de um soco na cara com o embolado feroz em uma onda do mar. Quando falta o chão. Quando não se encontra o próprio corpo.

Sou água, sal, espuma e estilhaços de vontades.

Sou tristeza, destoando de todo esse sol.

Não ficou desespero. Nem ansiedade. Não ficou coragem.

Alguém só me diz: o que acontece com o amor?



Foto: https://imagin4rium.wordpress.com/2014/01/10/onda-violenta/

8 de set. de 2020

"É um insight soturno, é o futuro passando, na velocidade terrível da queda..."

Sobre a queda e outros demônios...


Naquele dia, caiu da bicicleta.

Na hora mesmo, não lhe pareceu nada demais, tombo leve, pouco machucou, o susto, impacto de deslizar sem controle, mãos e rosto encontrando com o chão.

Já dois dias depois, decidiu sair pra pedalar. Subiu na bicicleta, tentando ignorar e desconectar do corpo dolorido (sim, quarenta anos não são como os vinte, seu irmão não deixou passar...), tratou como mais um dia - um dia normal - fazendo aquilo que mais trazia prazer nos últimos meses, sentir o vento no rosto, a liberdade, a amplidão...

Não foi tão simples. A cada giro, a lembrança da queda, a sensação salgada e paralisante. O medo. Medo de repetir, a qualquer segundo, medo de uma pancada ainda pior, medo da curva, do desnível no asfalto, da velocidade... Medo de não ver o perigo, de não frear a tempo.

No início, tentou de todo modo racionalizar, dar proporção e advogar por si mesma: "você vem fazendo isso há meses, sem cair", "não está chovendo hoje", "aquela bicicleta era diferente"... Mas nada pareceu funcionar. Todos os argumentos tinham sentindo, mas vinha das entranhas o que gritava: "volte!", "pare!"... "você não é boa o suficiente, não tem o equilíbrio, a destreza, a prática... Vai cair", "desista". 

Ah, essa advogada é também cruel, soube transpor em pensamento o pânico, que ainda assim devorava mais que o verbo, secava a garganta e tensionava-lhe os ombros...

Seguiu em frente. Não sem chorar, algumas vezes, no caminho. Não sem doer as mãos, endurecer os dedos... E sempre com aquela voz ao fundo, da desesperança.

Mas ela era do ímpeto e dos planejamentos, algo não autorizava desistir... E decidiu ainda um novo desafio, um percurso maior, só pra garantir, só para não congelar...

A todo momento, o fantasma da sua queda a acompanhou. Entre as voltas do caminho, quase não achava o prazer e a alegria das saídas de antes, tentando parar o zumbido em seus ouvidos.

Pensou nos amores perdidos e nas dores do passado. Pensou em cada fratura de seu coração, nas ideias fixas de fracasso, nas vozes, no medo. Pensou no ímpeto e nos planos para não desistir.

Sentir o medo e continuar girando. O tremor e a taquicardia. O vento no rosto e a vontade de retomar a alegria.

Sua decisão era por novas memórias. Novas experiências que a afastassem da dor, o resgate, uma construção.

Memórias de vida que seguiriam, até que a queda estivesse cada dia mais distante, ocupando os vãos de espaços não-vazios. Até encontrar um novo ausente, até se dissipar, como fina névoa, entre as lembranças que quase já não conseguimos lembrar.



Foto: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjHApNLCAlZK9c1cTseF8UpnfLROuqq0MXSjLKXFbh8UrO6QksYmerSibLF36xTb8bFJUxe8Tcpl73KuwZcWIdVN1OBE9YCN4UZb1H_gV__oGTGItjD4Vvv9Kl-Ffxtii_IGrlL/s1600/bicicleta+montanhas.jpg

“No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido”





Porque nem todas as palavras são doces.
Nem todos os risos, sinceros.
Nem toda foto, um retrato...

E acha mesmo que não dá pra notar?
Acha que é só disfarçar, que é assim, rápido, o tempo caminhar e esquecer?
Bem simples, de leve, ela vira pro lado, adormece...

Essas outras conexões
Postas, tapam buracos
Consolam, massageiam, acalmam
(e acalmam?)
Postas para reafirmar... "tudo-de-melhor-e-demais-belo-nesse-mundo... "
Como chamam mesmo?
(Máscaras).

Sigamos. Transformando em links cada insegurança, teclando, esquivando, fugindo se um rastro qualquer aparecer no meio de um café.

Alimentar o ego com o olhar alheio...
Impor, expor, ser visto.
Depois dormir, tranqüilo, preenchido, desejado.
E não se preocupe, se dormem ao seu lado.
(A ingenuidade é o new black.)

Diga ainda que não é nada (não foi nada, nada demais...).
E quem nunca? Agora mesmo, pode estar acontecendo pelo lado de lá... Vai saber! O mundo é um sem-garantias infernal.

Assim, sem bobeiras dessa vez.
E ser fiel anda tão démodé.
E ser transparente é oposto do sexy...
Melhor aqui, mergulhe aí, aproveite o sinal.
Depois conta se foi um deleite.
Depois diz se confortou seu coração, se amortece o buraco.

Depois, depois, depois, depois, confirma se mostrou cicatrizes, se abriu o peito, se chorou de angústia. Depois diz se valeu, ou se foi tudo isso, apenas isso: mais do mesmo.

Procura aí. Fica aí. Depois me conta...
Ou nem conta. 
Afinal, algumas coisas, ninguém tem que pagar.