22 de jul. de 2009

"Eu rabisco o sol..."


- Você não vai acreditar... bateram no meu carro bem na entrada do trabalho essa manhã.
- E você?
- ...
- Ficou tudo bem com você?
- Hã...? Sim, tá, comigo está tudo bem...

Seus ritmos podiam até ser diferentes, mas os freios pareciam-lhe bem vindos.
Naquele momento, ela freou. Não buscava muito além de carinho em sua vida. Grandes amores são feitos de grandes gentilezas, lhe ensinaram.
Às vezes ela se perdia nos barulhos de seu mundo, às vezes se escondia atrás do áspero, tanto que era o medo de começar, medo de se deixar ir novamente, medo das tempestades e reviravoltas do caminho, de não estar pronta e incorrer nos mesmos, velhos, conhecidos erros. Tantas vezes não se sentia a mulher que gostaria de ser... Tantas vezes não se sentia pronta realmente para um outro alguém sua vida. Medo de machucar, medo de cair, medo de falhar e sentir outra vez... pequena.
Mas qualquer que fosse o ritmo, seus pensamentos revoltos não podiam frear seu coração. Sim, ele ainda dita regras por aqui. Os receios e dúvidas que rondavam sua cabeça desapareciam pelas batidas em seu peito – você pode estar errada, tudo pode dar errado, você pode não conseguir e o que restar serão novas marcas, algumas cicatrizes, uma ou outra recordação. Sim, pode acontecer. E pode acontecer... algo novo.
Pouca diferença faziam suas idéias, quando seus olhos brilhavam daquele jeito. Já não havia escolha, não havia ponderações, não havia. O caminho sob seus pés era o seu caminho. Ainda ensaiavam o ritmo do caminhar. Certeza apenas de que “sim, estava tudo bem” com ela.

21 de jul. de 2009

"Me conta agora como hei de partir..."


Vivia na ponta dos pés. Para os poucos que notaram, parecia estranho. Nem era tão baixa. Nem era baixa, em verdade. Caminhava na ponta dos pés, como se quisesse estar um pouco mais perto de Deus, pouco mais distante de tudo que fosse humano, terreno.
Coloridas sapatilhas, andava como quem baila.
(...)
Durante a conversa, sentiu algo estranho. A sola de seus pés, apoiada no chão. Calcanhares alinhados, de modo que era sugada pela força do movimento. Da ausência dele. Estática. Ela era chão, firme, parada na esquina. Ele perguntou se estava bem. Era a primeira vez que a sentia perto. Fez que sim com a cabeça, mas negou-se a emitir sons. Qualquer movimento em falso, qualquer barulho, poderia afastá-la daquela verdade.
(...)
Ele fez de tudo para mantê-la ali, mas era tarde. Malas prontas sobre a cama, naquele momento soube que ela jamais voltaria. Pensou no que dizer para despedir-se e não disse nada. Despedia-se desde o primeiro dia. Sempre soube que ela iria. Sempre soube que era passagem, e por isso alegrou-se e despediu-se em todos os momentos que tiveram. Estranho, pensou. Ela, na ponta dos pés, dirigiu-se silenciosamente até a porta. E partiu.
(...)
Ao passar por ali, sentiu saudade. Vaga lembrança de um dia em que seu mundo foi outro. Quando sentiu sem medo a presença dele e agarrou-se, também sem medo, ao que conheceu como amor. Ela o amou. Amou seus passos aqueles dias. Gostaria de encontrá-lo, de dizer-lhe isso, de dizer que nunca passaria, que não se deixaria esquecer. Viu a senhora do outro lado da vitrine, apoiada na ponta dos pés. Achou estranho aquilo, uma mulher na ponta dos pés. (...) Não era uma vitrine.