30 de nov. de 2020

"E agora, amor?"

 


E se te dessem uma chave para a abrir as portas do lado mais sombrio de alguém?

Se te dessem uma lente, capaz de enxergar o que há de mais sujo, de mais obscuro? 

E se te dessem o caminho exato para levantar a ponta do tapete, acessar toda poeira, todos os restos, toda imundice...

Mas e se essa chave abrisse também as portas para sua não-loucura?

Se essa lente te mostrasse o que seu coração já via, solitário, dolorido, sobreposto por um buraco negro e sem fundo no seu peito, onde tudo apenas se perde em um vácuo de sensações, dúvidas, incertezas...

Se aqueles restos imundos e toda a poeira fosse tudo que restasse para organizar os tijolos dourados que te levariam de volta – pra casa, pra vida, para alguma liberdade de tanta dor...

 Será que você (Ah!), será então que encontraria a coragem necessária, a força precisa para o giro, para abrir cada trinco, para ampliar cada pequeno ponto da escuridão do outro, cada destroço, cada farelo de luxúria e ócio que semearam suas longas e tristes noites?

Sempre gostei do brilho da lua na escuridão da noite.

Entre todas as mortes que me cruzaram, fui tentada, assediada, apaixonada, até... mas escolhi a vida em cada uma das vezes, e preferi os holofotes escandalosos da luz que quase, igualmente, cega: enxergar o que nunca deveria ser tão visto e arriscar petrificar diante da medusa, sofrer na pele o acesso a caixa de pandora, o efeito ensurdecedor da verdade (emudecedor, enlouquecedor?), o sabor amargo dos pensamentos distorcidos e nunca, jamais ditos – mas descobertos sobre a luz negra e a foice da própria morte.

A verdade nunca foi sem dor.

E ainda assim, me surpreende menor, leão que vira gato, diante do negro espaço dos meus medos.

E ainda assim, me surpreende melhor, quando me orgulho das minhas próprias mentiras, tão doces, infantis, tão bobas e inofensivas...

Na hora das verdades e holofotes resta um certo orgulho de mim mesma... da minha essência ingênua e intocada, fiel e pura, tão rara, perdida no desmoronamento dos caráteres e do imoral.

Verdade também não saber o que fazer de mim. Se inevitável ser contaminada na lama que piso, também me esmero em salvar o que restou de um coração partido. Tão louco como qualquer amor é louco, tão forte quanto qualquer guerreiro é forte, mas na esperança de não ser tão único no meio de tanto caos, de ter ainda a chance, algum sopro de vida, algum jeitinho de bater e que não maltrate a si mesmo. Algum jeito de luz.  Algum jeito de amor.




Foto: https://www.nytimes.com/2020/10/13/arts/design/medusa-statue-manhattan.html


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