30 de nov. de 2020

“Viver é uma questão de início, meio e fim”


 

Me escreve uma carta.

Me escreve uma carta.

Ao menos ouvi na época em que ainda havia palavras. Esperança boba de um reencontro na esquina dos planos que estacionamos.

E agora? E agora que já não há mais nada?

Nada além de um desejo sincero em ter de volta todas as chaves, endereços, percursos, CEPs, retomar cada um dos meios que poderia ter de me acessar na vastidão de um planeta pequeno, num espaço imenso...

Não há mais carta. Não há caminho.

Girei a chave, mergulhei de cabeça entre o vão e a palavra e agora, afogada nas minhas próprias descobertas, não sobrou ar, não sobrou gravidade, ou tudo é lento como o dia que passa na janela independente da vontade, como um tempo escorregando e um corpo que se mexe, sabendo que acordou e tem medo do dia.

E como dizer que não tive luto? Ah, tudo que vivo, luto.

E a vida da gente é mesmo assim, com portas fechadas por chaves que entregamos, com sonhos que contamos e vamos abandonando, das culpas que sufocam, das escolhas que tememos.

Sinto o gosto de tudo que encontrei. É a mistura de um soco na cara com o embolado feroz em uma onda do mar. Quando falta o chão. Quando não se encontra o próprio corpo.

Sou água, sal, espuma e estilhaços de vontades.

Sou tristeza, destoando de todo esse sol.

Não ficou desespero. Nem ansiedade. Não ficou coragem.

Alguém só me diz: o que acontece com o amor?



Foto: https://imagin4rium.wordpress.com/2014/01/10/onda-violenta/

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