27 de jun. de 2009

Renascimento e Inipi.


Ninguém perguntou se estava preparada. Talvez seu primeiro nascimento também tenha sido assim. Talvez nunca se esteja preparado. Mesmo que se tente. Mesmo que se deseje. Fato é que estava ali, despreparada e corajosa, no afã de achar que tudo é possível, alcançável, realizável. Na ingenuidade de sua juventude. Obstáculos existem para serem vencidos, pensou. Mas não era tão simples assim. Havia o medo. Havia a dor. Havia montes e montes de poeira acumulada debaixo dos tapetes, e ela não viu quando tudo se tornou tempestade de areia... tentou controlar, lutar contra o que quer que queria levá-la, viu seu coração disparar e sua mente acelerar, desesperada. Não, nada adiantava. Não respondia a si mesma. Ou respondia a sua alma. Ainda não sabia distinguir. Enfim, rendeu-se. A dor dominava seu pequeno corpo e tudo que conseguia pensar era em nascer. Lenta foi sua morte, lento o caminho até a pequena porta, mas alegre o encontro com o luz. “Por todas as minhas relações”. O medo se foi, mas ainda sentia a dor e a vontade de livrar-se de toda a bagagem, de tudo que não lhe servia mais. Queria expulsar tudo que já não lhe cabia carregar. Caminhou trôpega até o rio, liberta de tudo que não fosse a si mesma, e banhou-se, como pela primeira vez. Ouviu o rio dar-lhe boas vindas. Ouviu a terra e o vento acolherem-na nos braços. Sentiu o fogo em seu coração. Era sua casa aquela floresta. Cada pedaço dela, era ela, multi-partida. Era a luz do sol e as gotas do orvalho. De fora do útero, sentiu-se imensa. Sentiu-se livre. Sentiu-se amor.

"E mesmo assim fica interessante, não ser o avesso do que eu era antes, de agora em diante ficarei assim... Desedificante."


“She knows she is beautiful. But she is not yet sure what to do with her beauty”

“- But, why?

- Life is just more interest with you in it.” (*)


E na sua busca por si mesma, e na sua busca por tudo que é profundo, ele era a companhia perfeita. Como um homem invisível, quem estava para preencher seu coração com todo aquele amor, tudo aquilo trazia e nunca soube como usar, alguém para receber todas as flores que guardara, alguém para querer bem. Sem maiores demandas, sem maiores descontentos.

Podia apenas gostá-lo. Descobri-lo aos poucos e mostrar-se, igualmente lenta, página por página de uma nova estória. Teriam tempo antes do encontro. Desta vez não se perderia em outro mundo. Estava ocupada descobrindo o seu.

Ele lhe falava com poucas palavras, ricas e belas, mas seria preciso calá-lo. Calá-lo antes que o que dissesse fosse distante do que queria, antes que suas palavras a afastassem do amor que sentia, antes que a pedisse para deixá-lo. Desde este instante, parou de perguntar.

Era novo demais o mundo o qual perseguia, e tinha medo. Ele era sua ponte com a realidade e aos poucos, ele deixava de ser real. Sua jornada era por conta própria. Ela ainda esperava vê-lo no fim do túnel. Ainda o veria no final do túnel?



(*) do filme, Fatal, de Isabel Coixet.

14 de jun. de 2009

"Você pode ir na janela, pra se amorenar no sol, que não quer anoitecer"



Quatro horas mais, quatro horas menos, fazia contas em sua cabeça. Se ao menos se encontrassem no transitar, não se sentiria tão sozinha.

“Não se preocupe” – ela falou. “Nada vai passar despercebido aos meus olhos”. Dias depois, perguntou-se se enxergava demais. Perguntou-se se via o que já não estava, se via além do que esteve, ou se o que vira tornara-se invisível aos olhos.

Como conduzir-se agora? Cada passo seu parecia afastá-lo um passo a mais, ou ele se afastava em passos completamente independentes dos seus, ou caminhavam para lados opostos mesmo quando desejavam se encontrar... Desejavam se encontrar? Será que é difícil me ver aqui, com você ainda dentro de mim? Seria mesmo tão difícil acreditar?

Seus olhos tropeçaram nas dores de desencontros antigos. Lassos. Cansados. Ali, paralisada no meio do caminho, sentiu-se no exato lugar onde esteve tantas outras vezes. Não sabia como havia retornado, o percurso lhe pareceu tão diferente! Mas ali estava ela, outra vez. Precisa mover-se, e rápido. Conhecia da ferrugem que lhe tomaria aos braços se insistisse. Conhecia as sombras do lugar-comum, outra vez morreria afogado, seu coração.

Desta vez, porém, tinha calma. Não iria gastar, veloz, o pouco ar que lhe restava nos pulmões. Não. Desta vez nadaria, suave, até a margem mais próxima. Buscaria uma linda, solitária e tranqüila praia, para ampara-se até o fim da tempestade.

E a tempestade era o silêncio. Se antes se encantaram, juntos, ela passou a cantar só, e agora quase não canta, é só saudade do encantamento. Não canta por saber que a sua música ecoa medo da despedida antes mesmo do encontro.

Apenas por isso, respeita o silêncio. E por isso odeia o silêncio. E por isso grita, vez ou outra. Mas, inevitavelmente, ainda sorri quando se lembra. Quando repete o disco que tocavam suas palavras. Ela escuta o mesmo disco e seu coração sorri.

Numa estrada fria e árida, ela segue assim. “uma metade cheia, uma metade vazia”. “Uma metade tristeza, uma metade alegria”. Ainda não pararam seus passos e ela segue, esperando, a magia da verdade inteira.


“E se o silêncio era amor

Ela sofria porque não sabia escutar.”

12 de jun. de 2009

It´s a busy highway...


Meu coração está ocupado.
- Riam, todos,
Façam suas piadas,
Seus irônicos comentários
Tentem me despistar
Com mapas e quilômetros

Meu coração está ocupado.
- Banalizem, todos,
Zombem explicitamente,
Suas tensas risadas
Profanem meus sentimentos
Com condições e ampulhetas

Meu coração está ocupado.
- Apunhalem, todos,
Envenenem meus pensamentos,
Seus pessimismos e desilusões
Armem-se de tudo que conhecem me abalar
Com seus amargos desencantos

Meu coração está ocupado.
- Questionem, todos,
Apresentem suas teses,
Seus elaborados discursos
Racionalizem meu processo
Com termos e contratos

Meu coração está ocupado.
- Riam, banalizem, apunhalem e questionem,
Despistem, profanem, armem-se, racionalizem
Com piadas, risadas, desencantos ou teses,
Com tudo mais que pensarem importar

Não ignoro quanto de mim compõe-se em "todos".
observo atenta cada um dos "todos" que moram em mim,
assisito a guerra travada em tabuleiro
e o movimento das peça, cada velha jogada
na dança distraída de uma nova batalha.

Ainda assim encontro paz -
Pois meu coração está ocupado,
e isso independe dos protestos, das jogadas.
e isso independe dos conflitos.
Meu coração está ocupado, pleno e feliz.


Foto retirada de - http://perdidoseimperfeitospensamentos.wordpress.com/2007/12/

8 de jun. de 2009

Estranha noite.


Não era uma tempestade, era apenas vento. Entretanto, batia de tal forma as janelas, que seu coração disparava de medo. Vento de inverno e lua cheia. Ele parecia irritado aquela noite, era uma noite de coisas estranhas. Ainda acordada às cinco da manhã, após incalculáveis tentativas de dormir, após abrir e fechar mais de dez vezes o computador, finalmente, desistiu. Ficaria acordada até clarear, esperaria a manhã, quando tomaria um café, seguiria para o trabalho.

Seu coração não aquietava.

Mais cedo, dirigia perto do farol e um vento estupidamente voraz sacudiu as pessoas na rua. Sentiu o próprio carro desequilibrar no asfalto, ouviu um estrondo, percebeu expressões tão pasmas quanto a dela vindas pelo lado de fora. Continuou sua rota, e mais a frente um curto-circuito em um poste – apagam-se as luzes por toda a rua, por outras ruas vizinhas, apagam-se as luzes em seu trajeto. Achou esquisito, e se assustou um pouco mais, mas ainda não havia medo.

Um menino chorando na escada do supermercado. Seu medo foi menor que a correspondência. Perguntou. Ele tinha sido agredido por outro passante, com quem cruzara instantes antes – negro alto e forte, com expressão tão pesada quanto a energia a sua volta. O menino foi apunhalado por uma lata de óleo, nas costas. Ela não sabia o que ele tinha feito. Não sabia se tinha feito alguma coisa. Era muito magro e não passava de um metro. Franzino. Devia ter dez anos. Quis abraçá-lo e dizer que a dor ia passar, mas apenas chamou o segurança. e falou duramente seu advoguês. Foi embora pensando em que tipo de ser humano se tornou. O que o mundo fez dela? O que fizera de si mesma? Entristeceu. Algo era maior que a compaixão. Perguntou-se se era medo.

Seguia a noite, acendeu um cigarro. Pegou uma taça, bebeu um pouco. Não costumava fumar. Concentrou-se na fumaça. Tentou tragar. Achou que era em vão. Não controlaria os ares aquela noite.

Voltou pra casa. O vento não a poupou. Nem um pouco. Nem por instantes. Ele brigava com as janelas e derrubava coisas. Despertava ruídos. Sentiu medo. Medo das coisas que não se explica. Quis pegar o telefone, ligar. Não o fez. Era seu ritual de passagem para vida adulta, quando agüentaria sem quebrar, nas ventanias e tempestades.

Não resistiu, acendeu as luzes. Ainda não conseguia enxergar. Rezou. Lembrou do protagonista do filme. O que afastou a mulher invisível escrevendo sobre ela. Pegou de volta o computador. Desatou em palavras, na esperança de afastar seus fantasmas e retomar seu sossego. Ah, era estranha a noite.

4 de jun. de 2009

Uma ou outra noite.


Uma súbita vontade de brindar com você.

Abrir a garrafa guardada, inaugurar as duas taças que ganhei de presente e para as quais sorrio sempre que abro o armário.

Vontade de ajeitar a sala, deitar nas almofadas, ficar em silêncio: o silêncio dos amantes, não constrangedor, não indelicado, o silêncio quebrado apenas por uma ou outra batida mais forte em seu peito, um ou outro beijo, ou pelo barulho distante de ondas do mar.

Vontade de observar com calma os traços de seu rosto. De sair decorando cada sinal, mesura exata de uma ou outra cicatriz, as pequenas marcas da sua história, alegrias, cansaços. Decorar seu jeito de espreguiçar, de rir, seu olhar compenetrado ou distraído. Decorar cada pedaço de você até montar um livro, ilustrado com suas gravuras.

Bater uma ou outra foto, apenas de cenas que tivessem cheiro, para perfumar meu quarto na sua ausência. E respirar você, numa pausa encaixada em seu pescoço que me levaria a quase adormecer, de êxtase e embriaguez.

Vontade beijar o canto de seus lábios por um longo, longo tempo, até que as bocas se procurassem, escorregassem uma na outra; até me aninhar em seus braços, enquanto você despenteia meus cabelos.

Brindaríamos com os olhos da intimidade, distraídos com a paz de um dia qualquer: a noite não marcada em calendário. Só mais uma noite – uma nossa noite - depois de acertamos os relógios para chegarmos, uma ou outra vez, juntos.

Colocaria um vinil na vitrola. Teríamos vinil e vitrola, e por insistência minha, logicamente. Você preferiria um ou outro giga de alguma coisa, em formato codificado demais pra meu entendimento. Riríamos da minha antiguidade. Sorriríamos à toa.

Antes de dormir, penso na dança que nunca dançamos, na noite que foi curta demais e que, de tão longa, ainda é, que ainda acontece pela sala, por toda a casa. Pergunto-me se a física quântica explica noites que se perduram no tempo e no espaço. Pergunto-me se alguma coisa explica. Pergunto-me quanto tempo vai durar. Pergunto-me se você saberia mais das respostas do que eu. Fico intrigada em minhas perguntas.

Penso tudo que ainda não sei sobre você. Em seus maus-humores, nos estresses cotidianos, nas preocupações. Penso no que tira seu sono e no que o traz pra você. Penso em como você deve ser nas manhãs de domingo, e o que preferiria pro café, almoço ou jantar. Penso em todas as preferências que desconheço. Penso no que detestaria e no que amaria a meu respeito. Penso se seria terno, e se me abraçaria em noite como essa. Se me abraçaria uma ou outra noite. Fico intrigada em meus pensamentos.

Ainda toca a música que não dançamos.
Disseram que dançando conhecemos o outro.
- Dança comigo antes de dormir?



Foto retirada de: http://roberta.atisano.zip.net/

1 de jun. de 2009

Outono ou nada...



É outono em meu peito. As folhas caem como se viram as páginas, e sigo, repaginando minha estória. É outono em meu peito. Vejo a sombra do inverno cobrindo a relva, enquanto os pés passeiam pelos feixes de luz de um sol que adormece. É outono em meu peito. A chuva cai, e sou a chuva, fluindo, derramando, alimentando a terra fértil de meus pensamentos, para evaporar em leveza e densificar em matéria. É outono em meu peito... Ao contrário do que pensam, sou feliz no outono. Minha alma brinda e comemora cada pedaço de calor que experimenta, dedicando-se com disciplina a longa faxina que antecede o inverno. Abençoado o sol entre os dias foscos da estação da aurora.
Sem pressa, sigo e percorro em paz os caminhos do outono - ele está dentro, tanto quanto fora de mim.
Sim, é outono em meu peito.



Texto escrito no outono/2009.