3 de jul. de 2008

"Abre as cortinas pra mim..."



Espera.
Escuta amor, nosso silêncio.
É o silêncio que precede a manhã,
Silêncio que vem pouco antes do anoitecer.
Escuta a ausência de som que se fez
No entre tempos dos nossos minutos
Escuta o vazio e vácuo
Escuta o nada,
e admira ao meu lado
(não precisamos do medo, ou das idéias).
E não se assuste
Se a lua vier mais perto,
Como lágrimas nos meus olhos.
Eles choram a beleza
Do silêncio que se fez
No nosso amor.

O que mais ninguém poderia oferecer...

Eis a cena*:

Ele bate na porta. Segura um copo de uísque e fala levemente embaralhado. Ela o vê do outro lado. Passa a corrente. Abre uma fresta da porta.

- O que você quer?
- Me deixa entrar.
- Não. São três da manhã.
- Abre a porta, para com isso. Sou eu, o homem com quem você quase casou.

Ele entra, a abraça forte, a segura pela cintura, faz piadinha infame sobre seu decote.
Ela está com um hobby vermelho, dá pra ver a renda branca de sua lingerie quando ela tenta se afastar.

- Uísque?
Ele aponta o bar e entrega o copo praticamente vazio.
- É isso. Um drink, e você vai embora.

Ele sorri por dentro. Vai até o balcão e serve dois copos, pouco gelo.
Vão até a varanda, ela anda na frente. Quer um pouco de ar. Ele se aproxima em seguida e respira forte em seu pescoço. Ela perde o ar, de todo jeito.

Sentem o cheiro familiar um do outro, ela o deseja, ele percebe.
Ela o evita. Fala sobre assuntos cotidianos, ele se mostra interessado em tudo que a diz respeito. Ela diz que tem um novo emprego, que está freqüentando um grupo de estudos, religião, espiritualidade. Ele faz perguntas, diz que quer saber mais a respeito, que quer conhecer tudo que a faz bem.

- Se funciona pra você, pode funcionar pra mim também, porque não?

Nesse momento, por alguns segundos, ela o olha com a mesma paixão de antes. Foram segundos, mas ele notou. Era sua deixa. Ela era sua outra vez. Ele a aperta o corpo contra o dela. Desta vez não tem espaço pra esquivar. Deslizou as mãos por dentro do hobby de seda, vermelho.

- Eu sei que você sente a minha falta. Eu sei que imagina que sou eu, quando está sozinha, no meio da noite. Eu sei que sonha em estar exatamente aqui.

Sim, era tudo verdade. Sim, ela o deseja mais do que tudo naquele momento.

Fazem amor. Ela se entrega completamente, respira cada pedaço da pele dele, se deixa tocar, e sente todo o prazer quanto seria possível caber numa mulher. Não era apenas um homem em sua cama. Era ele, e todas as suas peculiaridades, seu toque, trejeitos, olhares, sabores. Era ele mais uma vez, quando ela achava que não seriam nunca.

- Podíamos passar o resto do fim de semana aqui. Eu e você nesse quarto, fazendo amor. Vamos pedir algo delivery e não sair do quarto pelas próximas 48h!

Ele ri alto com a idéia.

- Preciso ir.
- Amanhã a noite é o encontro do grupo. Você pode vir comigo e saber mais, já que está interessado.

Agora, uma gargalhada.

- Eu? Fale sério. Eu não ligo a mínima pra droga da sua religião.
- Mas... você disse...
- Eu disse o que sempre digo: qualquer coisa para levar uma mulher pra cama.

Lágrimas de raiva escorrem em seu rosto. Ela arremessa o travesseiro.

- Cretino... Nojento! Por que eu? Me diz, por que porra logo eu??? Tantas vagabundas ai que você poderia comer, tantas mil outras mulheres gostosinhas loucas pra dar pra você! Por que não procurar uma dessas... por que você veio aqui, justamente aqui?!

E eis a resposta, em um tom sarcástico e palavras lentamente pronunciadas:

- Ah, benzinho... Mas eu não queria apenas sexo! Sim, poderia ter sexo com qualquer outra... mas hoje, precisava de algo além do sexo. Eu queria me sentir poderoso. Queria me sentir o homem mais importante do mundo. Eu queria, meu amor, me sentir grandioso, especial, único. E isso, nenhuma outra mulher no mundo poderia me dar.

Ela bate em seu rosto. Ele bate a porta.

*livre adaptação da cena de um desses seriados americanos.

Pensou que ia amá-lo sempre
E sempre estariam juntos
Pensou que sempre saberiam
Sempre acima de todas as coisas
Pensou que insistiria, sempre.
Pensou que um dia
Ia vir de branco
E iam ser dele
Os olhos sorrindo
e esperando mais a frente.
Pensou que aquele caminho
seria apenas àqueles braços.
Pensou que diria a ele
Sim, com ou sem saúde
Sim, com ou sem dinheiro
Sim, com ou sem utopias

(Mesmo que o vestido fosse algodão, e que o caminho fosse entre a sala e o quarto, mesmo sem retrato, sem convidados, sem papel, sem estrelas brilhando no céu, mesmo sem trilha sonora, mesmo sem ver certa a hora... ainda assim, seria seu o rosto ao lado, todos os dias, quando acordasse.)

"Can you see the beauty inside of me?"


O viu do outro lado da rua. De dentro do carro, sorria com os braços cruzados e apoiados sobre a janela, queixo encostado entre as mãos.
Congelou o mundo um segundo. Olhou novamente para ele. O sorriso, os olhos brilhando. Não saberia vê-lo e não amá-lo. Como se encontrariam dali pra frente?
Provava aos poucos o sabor doce das palavras que ele ainda não tinha proferido. Os gestos futuros, o som da risada. Enfeitiçava-a o êxtase do reencontro.
Talvez não devesse atravessar a rua. Voltaria, sem palavras. Ele interromperia o sorriso, mas entenderia, decerto.
Talvez não devesse atravessar a rua. Abaixaria a cabeça e subiria novamente as escadas, resguardando-se de tudo que dói, de tudo que ama, de tudo que é sobra de uma amor que não passa.
Talvez não devesse atravessar a rua. Deixá-lo para trás de uma vez, esquecer seu rosto e seu sorriso e não passar as próximas noites, não passar todas as noites a partir daquela noite esperando: por aquele sorriso, por aqueles olhos, por aqueles braços cruzados e apoiados no carro, do outro lado da rua.

"They’re advertising in the skies, for people like us..."

Ela o amou à primeira vista. Seus olhos se encontraram e foi sugada. Encarava meio encantada, paralisava no som macio da voz ou no brilho estranho do olhar ou no que mais que houvesse demais que envolvesse aquele sorriso. O barulho perfeito de sua pausa. O contorno das mãos e os gestos híbridos, oscilantes entre vagos e precisos. Sua presença a fazia desejar ser mais.
Com o tempo, amou suas idéias. Concentrava-se na velocidade de seus pensamentos, zig-zags soltos e coordenados a faziam querer não ser: morrer e nascer idéia –criada, pensada, inventada por ele. Rica, veloz, ensurdecedora.
Foi quando amou seu coração. Amou cada uma de suas extensões: as trezentas mil preocupações constantes, a vontade de amar mais e mais o mundo, o valor imenso dos gestos sinceros.
Antes de dormir, escolhia ouvi-lo falar. Falava por uma abraço apertado e forte, enforcante. Falava com mordidas, quase sempre na orelha esquerda. Falava quando deslizava os dedos sem perceber pelos seus cabelos. Suas falas eram as mais lindas não-palavras.
Amou, não menos, seu corpo. Amou sua boca e o beijo intenso, amou seu jeito de respira-la como se ela fosse o pouco oxigênio que restasse no planeta. A respiração em seu pescoço. Beijo na nuca, mãos, abraço. As vezes o abraço era tão forte, que não havia vácuo. Eram eles e mais nada.
Amou tanto e de tal forma, que se sentia dissolvendo, extravasando, desaparecendo no amor.
Ela sempre pensou que o amor fosse dela. Era ela, que pertencia e desfalecia no amor.

"Every time you give yourself away, it comes back to haunt you..."


Corra. Se a distância fosse a resposta para todas as portas que nos separam, se o dia fosse mais curto, se o beijo fosse mais longo, se estar a seu lado não representasse abandonar tantos pedaços meus pelo caminho e se ainda assim fosse possível querer e deixar. Se cada vírgula não fosse um deslize, se cada música não fosse esperada, se o meu sorriso não fosse tão triste, se as idéias não abrissem abismos. Se a felicidade fosse a mulher da esquina e todos os outros fossem gotas de chuva em dias cinzas (como hoje), se não viesse essa vontade de chorar de repente. Se você acordasse querendo me ver. Se um de nós correr. Se.

"Agora era fatal que o faz de conta terminasse assim..."



Comprei um reinado colorido e enfeitei com bolas de sabão.
Comprei um castelo, coroa, vestido. Comprei uma praia deserta e trilha sonora, comprei chocolates e tudo mais que te trouxesse um sorriso. Uma caixa com infinitos beijos, um travesseiro que velava os sonhos. Comprei as mais loucas e lindas idéias e trabalhei-as todas, com as pontas dos dedos.
Ai, sempre fui muito rica quando era o amor a moeda corrente!

Saudade,
Tonta!
Vê se conta
Outro verso de dormir
Porque a velha música,
Saudade,
Já não toca aqui.