E se te dessem uma chave para a abrir as portas do lado mais sombrio de alguém?
Se te dessem uma lente, capaz de enxergar
o que há de mais sujo, de mais obscuro?
E se te dessem o caminho exato
para levantar a ponta do tapete, acessar toda poeira, todos os restos, toda imundice...
Mas e se essa chave abrisse
também as portas para sua não-loucura?
Se essa lente te mostrasse o que
seu coração já via, solitário, dolorido, sobreposto por um buraco negro e sem
fundo no seu peito, onde tudo apenas se perde em um vácuo de sensações,
dúvidas, incertezas...
Se aqueles restos imundos e toda
a poeira fosse tudo que restasse para organizar os tijolos dourados que te
levariam de volta – pra casa, pra vida, para alguma liberdade de tanta dor...
Será que você (Ah!), será então que encontraria
a coragem necessária, a força precisa para o giro, para abrir cada trinco, para
ampliar cada pequeno ponto da escuridão do outro, cada destroço, cada farelo de
luxúria e ócio que semearam suas longas e tristes noites?
Sempre gostei do brilho da lua na
escuridão da noite.
Entre todas as mortes que me
cruzaram, fui tentada, assediada, apaixonada, até... mas escolhi a vida em cada
uma das vezes, e preferi os holofotes escandalosos da luz que quase, igualmente,
cega: enxergar o que nunca deveria ser tão visto e arriscar petrificar diante
da medusa, sofrer na pele o acesso a caixa de pandora, o efeito ensurdecedor da verdade (emudecedor, enlouquecedor?), o sabor amargo dos pensamentos distorcidos
e nunca, jamais ditos – mas descobertos sobre a luz negra e a foice da própria
morte.
A verdade nunca foi sem dor.
E ainda assim, me surpreende menor,
leão que vira gato, diante do negro espaço dos meus medos.
E ainda assim, me surpreende melhor,
quando me orgulho das minhas próprias mentiras, tão doces, infantis, tão bobas
e inofensivas...
Na hora das verdades e holofotes
resta um certo orgulho de mim mesma... da minha essência ingênua e intocada, fiel
e pura, tão rara, perdida no desmoronamento dos caráteres e do imoral.
Verdade também não saber o que fazer de mim. Se inevitável ser contaminada na lama que piso, também me esmero em salvar o que restou de um coração partido. Tão louco como qualquer amor é louco, tão forte quanto qualquer guerreiro é forte, mas na esperança de não ser tão único no meio de tanto caos, de ter ainda a chance, algum sopro de vida, algum jeitinho de bater e que não maltrate a si mesmo. Algum jeito de luz. Algum jeito de amor.
Foto: https://www.nytimes.com/2020/10/13/arts/design/medusa-statue-manhattan.html