E nesse dia tiveram seu primeiro “não gosto”.
- Não gosto disso em você.
- E eu, tão pouco.
O primeiro não gosto é sempre estranho. Um atabaque vibrando no meio da orquestra. Um violino desafinando no meio do forró. Erva daninha num jarrinho de flores.
Não gostava de um monte de coisas, só que nenhuma das componentes de sua vasta lista tinha aparecido nele. Isso, até então. Estréia do primeiro item desagradante. E vice-versa? Não podia deixar de pensar que sim. Já que é deste lugar, de quando não gostamos de algo, do nosso descontento e da raiva, que transparece também a nossa sombra. Ela fica ali, exposta – reação que se torna ação, fenda aberta na máscara do novo.
Ambos viram razões pra não gostar, então.
O “não gosto” abusou um pouco seus ouvidos, dormiu do seu lado no travesseiro. “Não gosto”, esse monstrinho verde cintilante, iluminando o quarto bem além do agradável pra o sono ficar. Muriçoca chata e bzzz persistente. Precisava de uma raquete, e depressa.
Pensou em jogar “não gosto” pela janela. Pensou em mandá-lo de volta ao lugar de onde veio, em dar a própria sombra pouco mais de espaço e ignorar o mau-humor alheio que a presença dela costuma causar.
Mas falaram antes que pudesse se decidir. Congelou o tom de voz, tentando ganhar tempo, mais tinha esse defeito de fabricação: era óbvia demais.
- Tá tudo bem? Pensei que tivesse ficado chateada.... – perguntou ele, cutucando, ingênuo, a caixa de pandora - e facilitando as coisas pra ela.
- Fiquei.
- Ficou? Por causa de ontem? (perplexo)
- Foi.
- ..... (perplexo e semi-arrependido? Perplexo e reflexivo?).
- Imaginei. – concluiu ele, atestando o que ela já imaginava sobre seu tom, exatamente: óbvio.
Riu de si mesma enquanto deu vazão ao seu gênio irritadinha. Riu da situação. E riu dele. Perplexo.
E como tudo que a agrada, terminaria em piada.
- Então, se possível, não repete isso e blá, blá, blá... – imperativa. (de irritada, as vezes passava pra imperativa, era um outro mal).
- Ok, não foi o que quis dizer – sincero.
(Todavia, ressalte-se, nem tão obediente assim).
Daí ele vai, e volta com uma lembrança - ode elaborada ao “não gosto” que ela passou uma tarde fuzilando. Ele riu de si mesmo, dela, da situação. Era o cúmulo da cafajestagem. O cúmulo da audácia humana. E o cúmulo do engraçado. Adorou.
E, mais uma vez, sua balança pendeu pro lado dele.
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