1 de fev. de 2009

Pandora.


O sol vem chegando aos poucos em seus dias. É muito difícil se esconder do sol num verão quente como esse. O sol, lá fora, despretensiosamente esquenta seus dias, e ela sente esse conforto do calor em seu corpo, como se fossem se afastar todos os fantasmas.

Por dentro, porém, ela sabe. Lá no fundo, a caixa de pandora. Ali guardada, fechada em seu peito, esse pequeno câncer, uma nuvem, uma pedra.

Algumas vezes, quando percebe que não vai mais agüentar e que o ar não consegue exatamente entrar, ela senta-se, sozinha, e abre sua própria caixa.

É quando tudo vem. Toda a dor, o aperto, a vontade de jogar-se nesse poço, buraco negro de um sono profundo, não pensar, não ouvir, não ouvir mais nada. Aperta forte o peito como se seus dedos pudessem anestesiar a dor. Sem medo, e reza por sua cura, para esquecer, enquanto revira página a página dos escritos em sua caixa, enquanto revive cada cena, revê todos os sorrisos, recorda cada beijo, perde-se outra vez no amontoado de diálogos, todas as frases, cada mágoa dele, cada crítica, e principalmente tudo aquilo que ela sabe que existe, mas nenhum dos dois teve coragem de falar.
Quer evitar a culpa, mas é a mesma voz que não cala. É um monstrinho devorador, que resolveu chamar de “E Se”.

E se eu tivesse dito? E se não escondesse meus sentimentos, sem medo de suas reações e apenas dissesse o que me incomodava? E se eu não tivesse se preocupado tanto em não ferir-lhe o ego, ou seu próprio (sim, especialmente o seu) e conseguisse ser sincera suficiente para conversar sobre o que angustiava, sem precisar sabotar pelas bordas o dia-a-dia, sem precisar recorrer a todo subterfúgio e em seguida arranjar desculpas para as próprias faltas, e se conseguisse, tranquilamente, contar, que algo faltava, e explicar, e se tivesse a coragem suficiente para olhar nos seus olhos e dizer, “ah, amor, sinto tanto em dizer, mas há algo de errado aqui.”

Detestava o fato de não terem conversado abertamente a respeito. Naquela mesma manha, quando se deu conta que seu relacionamento poderia terminar, decidiu vencer seus medos infantis e conversar com ele. Não podiam continuar daquela forma, fingindo que não fazia qualquer diferença. Ambos tinha tido relacionamentos antes, ambos sabiam sobre o quanto não era natural.

E durante todos aqueles meses, subtraindo os que tentou esconder verdades de si mesma, durante todos esses meses via e revia essa conversa em sua cabeça, pensava em que palavras usar, sem magoá-lo, sem temer o que ouviria em retorno. Sem enfrentar o turbilhão de coisas que aparecem quando as cartas são arremessadas na mesa.

Mas não conversaram. Naquele dia, já era tarde demais.
Não conversaram mais nunca. E ela jamais saberia o que teria sido, se teriam vencido, se as coisas iriam mudar. Ela jamais saberia se poderiam ser mais. Se poderiam SER, na verdade.

Agora, restava o bichinho do “E Se” perfurando seus ouvidos, tirando seu sono, navegando constante em um barco a vela por rio que optou chamar “culpa”.

Barcos a vela viajam lentos, em especial nos dias de pouco vento. Barcos a vela às vezes param ancorados entre pedras de solidão.

Ela não queria mais navegar por ali, ela não podia mais contá-lo, não conversariam, nunca saberia, “e se” era um mostro cruel que deveria morrer no meio de suas próprias divagações, um sem saída, um entrave, uma não-solucionável e alucinante questão. “E Se” era sua dor de cabeça. E tudo mais que doía.

E se ela parasse de ponderar agora, muito provavelmente, seria sua melhor opção.

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