Sem explicação, procurava por chaves a todo momento.
Como uma espécie de toque, hábito antigo, veneno anti-monotonia. Uma dessas
compulsões incontroláveis e inexplicáveis: portas fechadas a instigam,
inquietam, atraem...
Admirava o valor da reserva, o cuidado, as
precauções com o que se guarda. Porque se guarda? Pergunta.
Contudo, não a levem a mal: sua curiosidade
ultrapassa, em muito, portas alheias. Estendia-se, justamente, nas portas auto-trancadas
- naquelas que escondia de si mesma, entre cadeados, baús, fechaduras quase
intransponíveis, dos quais evitava lembrar ou perceber...
É a curiosidade pela própria sombra, pela escuridão dos passos seguidos, quando o andar parece desmotivado ou esmo; pelas palavras não proferidas, ou pelas gastas de tanto usar, mas que não saberia de onde vieram; pelos gestos que negava externar ou pelo que quer que conduzia seus gestos mais cotidianos e banais.
Todos trazem suas portas lacradas, suas caixinhas de reserva: temidas, ignoradas, disfarçadas. E tantas vezes repetia: não há mais nada o que procurar.
No entanto, no mais inusitado dos momento, recorreria as suas portas secretas, acessaria o seu escudo e suas armas, lutaria como uma total desconhecida, com forças nunca antes vistas, com vigor nunca antes sentido, capaz do que nunca pensou ser capaz.
E no entanto, sempre que se sentisse derrotada, recorreria as suas portas secretas, acessaria um arsenal de ataduras, ungüentos, colírios, antídotos - técnicas milenares para recuperá-la e trazê-la de volta do mais profundo dos profundos.
Naquela tarde, perdeu a conta do quanto de si escoou por esquecer suas portas entreabertas. Admirava as portas bem trancadas, anti-pressão, anti-vácuo, anti-bisbilhotagens. Portas hermeticamente fechadas, como se diz por aí.
Sim, estava sempre a procurar por chaves e quase nunca trancava suas portas. Exceto aquelas que trancava para si mesma.
Crédito da foto: Henrique Nardi (http://abaribo.blogspot.com.br/2009/06/paula-orsi-cruz-porta-entreaberta.html)
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